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Remuneração Médica – Capitation

Uma das formas de remuneração na área médica que vem sendo sugerida e implementada pelas operadoras de planos de saúde denomina-se capitation. Essa modalidade de pagamento visa à remuneração dos prestadores de serviços (médicos, clínicas e hospitais) por cada vida assistida, isto é, um modelo de remuneração médica em que a operadora de planos de saúde determina um valor fixo por paciente de um determinado grupo (especialidade) e numa determinada área de abrangência, independentemente do volume de serviços prestados.

De início, vale ressaltar que o modelo proposto é o oposto do modelo tradicional denominado fee for service, ou, em tradução livre, pagamento por serviço. Nesse modelo, por sua vez, a remuneração médica se dá por cada serviço efetivamente praticado. A crítica das operadoras, nesse modelo, seria o abuso de alguns prestadores e o desperdício de recursos, já que quanto mais procedimentos forem efetivados maior será a remuneração da despesa, contrariando o interesse do tomador na economia dos custos assistenciais.

Sem embargos das críticas do modelo fee, certo é que no modelo capitation o maior prejudicado, além do prestador de serviço, será o próprio usuário do plano de saúde, que sofrerá com a limitação e com a restrição de seu atendimento assistencial. Em breve resumo, o modelo capitation paga um valor único para o prestador por um determinado número de vidas.

Considerando que o prestador esteja próximo do limite de despesas contratadas e próximo do gasto total do recurso correspondente a sua remuneração mensal, certamente irá limitar o atendimento e evitar procedimentos de maior complexidade ou exames de alto custo.

Por certo que por traz do suposto abuso apontado pelas operadoras, a real intenção na implantação desse modelo, além da previsibilidade e controle atuariais, é o aumento arbitrário dos lucros. Pretendem as operadoras ter a previsão de despesas de maneira antecipada, como se fosse possível congelar a sinistralidade de sua carteira, descaracterizando por completo a natureza securitária dos contratos de planos de saúde. A operadora transfere para o prestador o risco do negócio. Porém, um risco que o prestador não assumiu.

Havendo um teto de gastos, o modelo capitation fere o equilíbrio econômico financeiro do contrato e empurra o prestador a agir em desacordo, já que passa a limitar o volume de atendimento e recusar procedimentos de alto custo. Ademais, retira a liberdade profissional do prestador de serviço, que se vê à mercê de poder atender dentro de um limite prefixado de gastos.

Por outro lado, a autonomia privada não é absoluta e deverá obedecer a função social do contrato. Equivale dizer que o contrato privado celebrado entre operadora e prestador se espraia por todo o ambiente/espaço onde os serviços são prestados, já que atinge diretamente uma camada de usuários necessitada de atendimento médico. Não obtendo atendimento na saúde suplementar, o usuário terá que buscar o atendimento na rede pública, elevando o gasto do poder público e gerando um enriquecimento sem causa para o tomador de serviços, que não terá cumprido com sua obrigação no pacto celebrado com o consumidor.

Além disso, será visível a piora na qualidade do atendimento assistencial ao usuário do plano, tanto por diminuição na amplitude do tratamento, tais como exames e atendimentos complexos, quanto pela negativa pura e simples ao argumento de ausência de cobertura.

O modelo fee for service, ao contrário do modelo capitation e mesmo com todas as críticas, é o modelo mais justo de remuneração, já que considera que todo o serviço prestado deverá ser remunerado de acordo com uma tabela previamente fixada entre as partes, além de preservar a autonomia médica do prestador. O médico assistente, no modelo fee, poderá e deverá usar de todos os recursos disponíveis, visando sempre ao melhor atendimento das demandas de seu paciente.

Não é só. A concentração de uma especialidade médica em um único prestador fere de morte a livre concorrência, assemelhando o comportamento da operadora e do único prestador a uma forma de cartelização dos serviços, já que não abre espaço aos demais prestadores daquela localidade, elegendo um único serviço para toda a demanda.

O poder do monopsônio da operadora se verifica quando, sendo a parte economicamente mais forte da relação negocial, impõe unilateralmente seu modelo de negócio ao mercado e restringe aos demais prestadores a oportunidade de participar de determinada cadeia de serviços médicos. Ao reduzir sistematicamente os valores ano a ano, a operadora irá restringir cada vez mais o atendimento médico, buscando a redução de seus custos assistenciais e a maior distribuição de lucros aos acionistas.

Não criticamos a ideia de livre iniciativa ou de aumento dos lucros. Isso é o normal em qualquer sistema capitalista de produção. A crítica é a perversidade como o modelo é imposto e o prejuízo que gera não só aos prestadores de serviços, mas, principalmente, aos usuários dos planos de saúde.

Em outro norte, a Resolução Normativa ANS nº 363 aponta textualmente algumas práticas vedadas na contratualização entre operadoras e prestadores de serviços, dentre elas a infringência do Código de Ética Médica, a restrição, por qualquer meio, da liberdade do exercício de atividade profissional do prestador, o estabelecimento de formas de reajuste condicionadas à sinistralidade da operadora e de formas de reajuste que mantenham ou reduzam o valor nominal do serviço contratado.

Por certo que as críticas acima apontadas revelam a perversidade do modelo capitation que vem sendo proposto pelas operadoras atuantes no mercado de saúde suplementar. Por certo ainda que o poder público deverá intervir na equação negocial e buscar alternativas. Se o modelo fee for service é apontado subjetivamente pelas operadoras como sugestivo de abuso, certamente o modelo capitation concretiza objetivamente a sugestão.

Valério Augusto Ribeiro – www.valerioribeiro.adv.br